Filha do célebre enólogo Luis Pato, produtor-ícone da região da Bairrada, em Portugal, Filipa Pato veio a São Paulo no início de fevereiro para lançar os vinhos da linha Nossa Calcário, fruto de suas experimentações no projeto Vinhos Doidos, que assina em parceria com o marido, o sommelier belga William Wouters.
Uma das mais reconhecidas jovens produtoras de vinho de Portugal, ela tem, a exemplo do pai, seu QG na Bairrada e faz questão de usar uvas locais – como baga, bical, arinto e maria gomes – em suas criações.
No encontro, Filipa apresentou o ótimo Nossa Calcário branco 2012 (Casa Flora; R$ 128), um aromático e mineral corte de bical e maria gomes, de pequena produção (só 3 mil garrafas). Ela também desarrolhou o Nossa Calcário Tinto 2010, com dezoito meses em madeira, e o interessante tinto Filipa Pato Baga & Touriga Nacional 2009 (R$ 57,86).
Filipa Pato conversou com o blog. Confira:
Seu lema é “vinhos autênticos, sem maquiagem”. Quais maquiagens você acha que podem prejudicar um vinho?
Sou engenheira química formada em Coimbra, mas costumo dizer que faço sempre a química pela negativa – ou seja, não usando a química. Por isso digo que faço vinhos autênticos, sem maquiagem. Eu gosto de vinhos puros, que refletem o terroir. Eu acho fantástico o vinho ter uma pureza de estilo. E não estar dominado pela madeira, não estar demasiado alcoólico, o que cria desequilíbrio no vinho. Para mim, um vinho precisa estar em sintonia, como os componentes de uma orquestra.
Os vinhos feitos por enólogas estão em alta em Portugal. Por que nesta profissão, antes tão dominada por homens, as mulheres estão fazendo cada vez mais sucesso?
É difícil de generalizar, mas as mulheres têm estilos diferentes, um estilo mais elegante, mais estruturado. É difícil estabelecer um padrão. Eu acho que as mulheres procuram fazer um vinho mais elegante, mais acessível ao consumidor, mais fácil de tomar. Eu, porém, não gosto de me subjugar ao mercado. Os vinhos mais caros e mais complexos são vinhos difíceis de entender à primeira vista. Uma evolução do consumidor passa por aí. Eu vejo que aqui no Brasil há muita abertura para as pessoas terem informação sobre os vinhos e isso é fantástico.
Há uma história aqui no Brasil por traz do nome do vinho Nossa, que você está lançando?
Sim, foi quando eu e meu marido viemos de férias ao Brasil. Ele não falava português, mas ficava observando as pessoas a falar. E ele adorou a língua portuguesa no Brasil, porque usa-se muito o gerúndio e é mais cantada. Ele gostou muito da interjeição de surpresa “Nossa!”, que achou muito positiva. Veio daí a inspiração do nome. Nós fazemos o vinho em parceria: eu faço a vinificação e ele depois seleciona os barris para fazermos o lote. Ele é sommelier, então para mim é muito bom, porque ele tem uma capacidade de prova fantástica, é muito exigente e está habituado a provar os melhores vinhos do mundo. Depois que passei a fazer vinhos com ele, houve uma interação e uma melhoria da qualidade, o que é muito importante para nós.
Seu espumante rosado Filipa Pato 3B faz muito sucesso no Brasil. Como vai ser esse novo espumante que você está produzindo?
Vai ser um blanc de blancs da Bairrada, uma mistura das uvas sercial, bical e maria gomes. A sercial dá uma fineza de aromas fantástica. Vai chegar no Brasil no fim de 2014, para o Natal.
Qual sua cidade preferida em Portugal?
A cidade que mais gosto, também pela proximidade, é Aveiro. É a cidade do mar e da Costa Nova, a praia de Aveiro. É uma cidade lindíssima, que faz lembrar Veneza. Tem os barcos moliceiros [a “gôndolas” locais] e uma enorme ria [a bacia lagunar que se forma com o encontro do Rio Vouga com o mar]. A cidade é cheia de alegria, art nouveau e muito influenciada pelo mar. É uma cidade muito aberta e eu gosto e tenho essa perspectiva nos meus vinhos também. Indico dois restaurantes fantásticos de peixe: o Dóri, bem por cima do Mercado de Peixe, que também é famoso, e outro que se chama Marisqueira, que por acaso é de uns espanhóis que eram da Galícia e se instalaram há muitos anos lá, ainda no tempo do meu avô.
E para comer o célebre leitão à bairrada, onde você recomenda?
Sem dúvida o restaurante Rei dos Leitões, porque além de ter o melhor leitão, tem uma ótima carta de vinhos.
Se o mundo fosse acabar amanhã, qual vinho você abriria hoje?
Abriria todos que eu tenho na adega, certamente. Ia morrer bêbada (risos). Porque tenho tanta curiosidade em provar coisas que vou juntando, juntando, juntando. Eu acho que sou a produtora portuguesa que mais conhece vinhos internacionalmente, pois sou casada com um sommelier belga, né? Por isso tenho uma abertura de espírito diferente.
NOTA: O marido de Filipa Pato, William Wouters, tem um um restaurante na Antuérpia, segunda maior cidade da Bélgica, na região de Flandres, no norte, chamado Pazzo (www.pazzo.be).